Aliança Francesa de Botafogo
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A OBSESSÃO PELA PUREZA
"Os Sete Gatinhos" (1958), quase meio século depois, ainda nos surpreende com sua verve melodramática, seu agudo histrionismo, sua comicidade escancarada e, apesar disso, seu sólido fundamento trágico. Sim, porque, no fim das contas, trata-se de uma "tragédia" a desta família suburbana, cujo ideal inapelável é a pureza. Na medida em que Noronha, sua esposa e suas filhas acham-se mergulhados na mais sombria miséria social e moral, resta-lhes ansiar a pureza através da única que pode "redimi-los": a filha caçula, Silene. Se ela falhar, tudo há de ruir, e nada mais poderá salvá-los. A família toda se prostitui para dar a Silene um casamento na igreja, "com véu, grinalda e tudo o mais". Porém, o fundamental é que ela se case "virgem", condição que hoje soa como um acintoso anacronismo! Acontece que, em se tratando de Nelson Rodrigues, devemos, por precaução, encarar a "virgindade" não como um valor moral em si mesmo, mas, antes, como uma espécie de "síntese mítica da pureza". Ora, e o que é a tragédia senão a obsessão por algo inalcançável? Quando cometemos um excesso, qualquer que seja a natureza de nosso desejo (à priori, todo excesso é "trágico" por excelência), e não abrimos mão da "pureza"de tal desejo, ou cegamente nos negamos a negociar com a natureza ou com o meio em que vivemos, quase sempre incorremos em fato trágico.
No entanto, a dissolução da família de Noronha nos conduz a uma transcendência por intermédio da catarse, o que nos remete ao "Mito do Eterno Retorno": após o caos, a orgia, o aniquilamento, a morte uma nova vida. Fundamental no processo de trabalho e em nosso esforço de criação foi tentar forjar um ambiente o mais verossímil possível para contar a trágica história dessa família. Isto porque estamos cientes de que a dramaturgia de Nelson funciona como perigosa armadilha, já que a impressionante autonomia e teatralidade de sua cena, bem como suas rubricas e preceitos categóricos, muitas vezes nos convidam a tomar "atalhos",
O que acaba resultando numa cena baseada muito mais em convenções desgastadas do que numa vivência sólida do material dramatúrgico. Estamos certos de que não há um "modus operandi" pré-estabelecido ou uma "cartilha" para se montar Nelson Rodrigues, ainda mais se considerarmos a evidente riqueza e profundidade de sua obra. Para nós, "eternos estudantes", é sempre um grande prazer e um enorme desafio encarar a empreitada e o privilégio de dar vida à dramaturgia de Nelson Rodrigues, cuja importância e qualidades superlativas dispensam comentários. Por fim, gostaria de agradecer ao elenco, pelo empenho diário e pela compreensão, a equipe de criação, pelo senso artístico, carinho e integração, a equipe de produção, pela paciência e atenção, e a Cal, pela oportunidade.
Adraiano Garib
Nélson Rodrigues
Adriano Garib